terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Um plano se muda do dia para a noite?

Sempre tão decidida que quando decidiu amar se dividiu em milhões de pedacinhos. Explico melhor; deixou os corações se colarem, entende? Como um jogo de dois-em-um de supermercado barato, como um filho siamês. Tudo um pouco podre, um pouco sujo, um pouco... A verdade é que ela não acreditava nisso. Na verdade ainda não acredita. A verdade é que... Não existe lá muito verdade, existe? E fatos?
Ela chegou em casa, a decisão tomada. Tudo na mochila, todo seu arsenal. Ela iria fazer isso naquele exato momento. Exatamente naquele momento e não queria saber de esperar, se não fosse uma chave. Uma pequena chave que o último menino com quem dormiu esqueceu em sua casa: ela seria forçada a erguer a cabeça, enfiar aquele pedaço de metal mal cortado no bolso e ir, com a cabeça ainda inutilmente erguida e um sorriso na cara, devolver para ele a falta de memória dele mesmo. A vontade era de deixar assim, e o problema é que fosse dele, mas assim a procurariam mais cedo que o necessário - ela não precisou enxugar as lágrimas para girar a própria chave na fechadura da porta da própria casa, pois o frio dentro e fora era tão grande que congelava as gotas antes delas poderem cair. Andou solenemente, decidida, em meio a chuva, ao descaso dos que passavam por ela na rua. Ficou olhando a porta entreaberta da vida e a divisão dela com o que haveria do outro lado.
Pegou o trem, desceu do trem. Andou pelo chão cinza da cidade também cinza manchada das lágrimas que pingavam incessantemente do céu. Subiu, desceu - talvez tenha pegado um ônibus. Chegou. Em meio às mudanças, descobriu um jeito discreto de entregar a ele a chave de sua casa e se sentiu feliz por agora conseguir finalmente sua carta de alforria: estava livre para correr entre os mundos e atravessar a porta que bem lhe entendesse.
Vestida de negro, o cabelo no rosto ajudava mais no medo do frio que somente ela poderia sentir. Se não fossem seus olhos.
Ela levanta a cabeça. Ela não espera nada. Quer correr. Tem pressa. Quer passos apertados, quer uma cama logo. Quer esquecer, viver, morrer - mas aquilo CHEGA! Se não fossem os seus olhos: e ela para.
Um convite, um querer. Aceitos. Ela está apaixonada e adiou algumas horas a decisão mais crucial que havia tomado nos últimos anos. Sem promessa dos seus beijos e sem você desconfiar de nada, ela arrepia quando sente seu cheiro, quando você a olha nos olhos. Tenta sorrir. Tenta lhe fazer sorrir. É iludida, facilmente iludida, quando você ri de suas bobagens. Vocês chegam, comem e outro convite.
Tudo é prazer pelo resto da noite. Dormir numa cama - antes tão fria e distante, num dia antes tão frio e distante - com o calor dos corpos, das misturas, dos cheiros. Nesse momento ela descobre: cheiros tem calor.
A vida chega com uma precisão incrível no sol da manhã que ela tenta desviar com caretas: teria mesmo distraído seu desejo? E ela só queria, agora, um beijo. E o teve antes que imaginava. Um beijo cúmplice, apaixonado. Um olhar que penetraria qualquer alma, que desvendaria todo segredo: ela sentiu medo - e se entregou. Não aos poucos, mas completamente. Deixou-se cair do último andar da torre; os braços abertos. Pensava que voava mas sentia medo.
antes que a queda se tornasse fatal você a pegou quase no chão. Ela era completamente sua naqueles instantes que se decorreram em meio ao que viria depois se tornar amor. E ainda é.

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